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sábado, 9 de março de 2013

A segunda reforma


Há oito anos atrás, no longínquo abril de 2005, uma desgraça aconteceu. Não, Marvin, não é o que você está pensando. Joseph Alois Ratzinger tornou-se o papa Bento XVI.
Eu era uma católica esperançosa, que acreditava na Igreja e nas pessoas, e fiquei feliz em ver aquele cara inteligente se tornando Papa. Era, enfim, uma idiota, como todo adolescente.
Pois é, um monte de coisa acontecendo e eu lendo Harry Potter, e preocupada com o Papa e o terceirão. O mundo dá voltas mesmo. Mas vamos lá, foco.

Joseph Alois Ratzinger nasceu com esse nome pomposo em Marktl am Inn, estado da Baviera, Alemanha, num sábado santo, 16 de abril de 1927, como ele mesmo cita em seu livro Milestones: Memórias.


“[...] ser a primeira pessoa a ser batizada na Água Nova da Páscoa era visto como um ato muito significativo por parte da Providência. Sempre me enchi de sentimentos de gratidão por ter sido imerso no Mistério Pascal desta maneira... quanto mais o reflito, tanto mais me parece apropriado à natureza de nossa vida humana: ainda esperamos a Páscoa definitiva, ainda não estamos na plenitude da luz, mas caminhamos na sua direção, cheios de confiança.”

 casa em Marktl am Inn, onde Ratzinger nasceu


Filho de um policial, Joseph se mudou para Hufschlag, também na Baviera, aos 10 anos, após o pai se aposentar. “Dizer o que significa cidade natal não é fácil. Como policial de zona rural, meu pai era transferido com frequência”. O pai de Ratzinger era uma massa de manobra em pleno Reich, como tantos; declarava-se contra o nazismo. Um primo de Joseph, com Síndrome de Down, foi morto pelo regime nazista aos 14 anos de idade. A mãe do Papa emérito era austríaca. Eles não eram miseráveis, mas pobres, e tiveram muito sacrifício para fazer com que todos os filhos pudessem estudar.

Joseph (esq.), o irmão, Georg, a mãe, Maria, a irmã, Maria, e o pai, Josef,  em 1938.

Joseph queria ser padre, como o irmão mais velho, Georg Ratzinger. Joseph entrou para o seminário em 1939, com apenas 12 anos. Em 1943, com 16, auge da Guerra, foi incorporado ao Serviço Militar obrigatório da Alemanha Nazista, numa divisão da Wehrmacht, encarregada da bateria de defesa antiaérea da fábrica da BMW, nos arredores de Munique. Foi dispensado um ano depois, e enviado a um campo de trabalhos forçados em Burgenland, tripla fronteira da Áustria, Hungria e Checoslováquia, depois, destinado ao quartel de infantaria em Traustein – mesma cidade de seu seminário – de onde Ratzinger desertou tempo depois.   

 Com 14 anos, integrante do exército nazista




Com a derrota alemã, em 1945, Ratzinger é preso e enviado ao campo aliado de concentração em Bad Aibling, e liberto dois meses após sua prisão, já com 18 anos.
Após o caos da guerra, Ratzinger consegue sua ordenação religiosa, em 29 de junho de 1951, com seu irmão George. Iniciou sua carreira de professor na Escola Superior de Filosofia e Teologia de Freising, em 1952, lecionando Teologia Dogmática e Fundamental. Em 1953, obteve seu doutorado em Teologia com a Tese “Povo e casa de Deus na doutrina da Igreja de Santo Agostinho”. Obteve habilitação ara docência com a dissertação “A teologia da história em São Boaventura”.

Em 1952

Lecionou em Bonn, Münster e Tubinga. Em 1960, assumiu a cadeira de Dogmática e História do dogma na Universidade de Ratisbona, onde foi Vice-Reitor.
No Segundo Concílio Vaticano (1962-1965), foi Ratzinger quem apresentou a proposta da realização da Missa no idioma local, em vez do latim. Em 1972, com os teólogos, Hans Urs Von Balthasar e Henri de Lubac, fundou a revista Communio, a respeito da crise teológica pela qual passava a Igreja Católica desde o segundo Concílio Vaticano.
Foi nomeado arcebispo de Munique e Freising em 1977, e elevado a Cardeal três meses depois. Em 1981, foi nomeado prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cargo que manteve ate sua eleição como Papa.

 Em 1971

Com o arcebispo ortodoxo Wladimir Dimitrowskij, em 1979




Ratzinger possui OITO doutorados Honoris Causa, um pelos EUA, dois pelo Peru e os demais pela Europa. É pianista. Seus compositores preferidos são Mozart e Bach. Além da língua mãe, é fluente em italiano, francês, latim, inglês e espanhol, tem conhecimentos de português e lê grego antigo e hebraico. Seu carro antes de ser papa, um Golf preto, foi vendido no e-bay por 189 mil euros. Possui um IPod e um IPad. Existe um aplicativo oficial, inclusive, o “The Pope App”. O IPod foi presente de aniversário da Rádio do Vaticano, e foi personalizado com o texto “Para Sua Santidade, Bento XVI”. 










Foi o primeiro papa a visitar um museu judaico. Tem uma preferência pelos múleos, aqueles calçados vermelhos horríveis dos papas. Era muito próximo de João Paulo II, não apenas profissionalmente, mas pessoalmente.






Impôs voto de silencio ao ex-frade brasileiro Leonardo Boff, devido às posições marxistas deste. Seu pai morreu quando Ratzinger tinha 32 anos. A mãe, quando ele tinha 36. Recebeu a visita de Madre Teresa de Calcutá em 1978.




Adora gatos, mas não tem nenhum porque animais são proibidos no Palácio Apostólico (pensando bem, acho agora que ele renunciou por causa disso). Em seu tempo de Cardeal, era frequentemente visto alimentando gatos de rua. Tem seis endereços de email – conhecidos. Dizem que adora Fanta, e que seu suco preferido também é o de laranja. Sua comida favorita é um prato típico da Baviera, um ravióli feito de batata. 




Dizem também que tem a mania de andar pelos jardins do Vaticano todos os dias as 4h da tarde, e que ainda guarda bichos de pelúcia feitos pela sua mãe. Antes de ser papa, era visto com frequência em livrarias e cafés de Roma. Tem um perfume exclusivo, feito de erva limeira e verbena de limão (se a Sonia Hernandes pode, ele também pode). Criticou a série Harry Potter, por motivos óbvios, mas em 2012 pareceu rever seus conceitos e elogiou a obra, por incentivar as crianças à leitura. Sua biblioteca pessoal tem mais de 20 mil livros.
Todas as suas publicações podem chegar a 600 títulos. Tendo dois doutorados no Peru, inúmeras obras suas são em espanhol. Uma das mais importantes é O sal da terra, de 1997, uma entrevista mediada por Peter Seewald quando Ratzinger era então um dos cardeais mais influentes da Igreja, onde responde várias questões ligadas aos dogmas e ao futuro da Igreja Católica. Também é autor de vários livros sobre a vida de Jesus. Foi o primeiro Papa da história recente a renunciar ao cargo.

A renuncia de Bento XVI pegou o mundo de surpresa. Ratzinger é um padre extremamente ortodoxo – o que justifica seu cargo por mais de 20 anos como Prefeito da congregação para a Doutrina da Fé - o resquício politicamente correto da Inquisição católica (Azaghal disse que se limitava a dizer que Dan Brown e Harry Potter eram proibidos). Eu, pessoalmente, já sabia que a saúde do Herr papa não ia bem, mas não esperava uma decisão tão heterodoxa da parte dele. Essa decisão pode ter inúmeros significados.
Ratzinger esta passando por problemas de saúde bastante sérios. Usa um marca-passo há dez anos – antes de se tornar papa - e seu cansaço em público é visível e gritante. Em sua visita ao Brasil em 2007, Ratzinger aparentava vigor, falava com ênfase e vitalidade. Essa situação mudou muito ao longo dos anos. Ele, que viu Karol Wojtyla definhar no cargo, talvez não quis o mesmo fim. Mas as motivações de Bento XVI provavelmente são muito mais políticas do que pessoais.
A Igreja Católica foi construída em cima de morte, sofrimento e de dinheiro dos fieis. O âmago da crença cristã é podre. No século XV, essa igreja rachou. Hoje, católicos e protestantes são sal e açúcar, filhos de um mesmo Deus que são quase inimigos. Não, não é exagero. A Igreja Católica mudou muito desde que perdeu sua hegemonia, mas a base está lá. Uma igreja centrada na figura do Papa. Um chefe que mora num palácio quando seus fiéis passam fome. Uma igreja que tem um banco. Uma igreja que muitas vezes dá mais valos a dogmas do que à fé.
Por outro lado, a igreja resultante do cisma, a Protestante, se perdeu em seus valores violentamente. Se a igreja católica “perde” crentes para a protestante, é porque esses crentes não tem consciência nenhuma de sua fé. A Igreja Protestante repete, hoje, em seu auge, as mesmas aberrações da Igreja Católica Medieval, e se tornou um mercado de indulgencias, aquelas que Lutero tanto rebateu. Se a igreja Católica vive uma crise, e vive, a igreja Protestante vive uma desvirtuação violenta e sem precedentes desde sua criação. Não basta a igreja Católica ser reformada. A fé cristã como um todo precisa de reformas.
A Fé Católica evoluiu muito desde o Concílio Vaticano Segundo. Mas todos os problemas pelos quais ela passa hoje não são a causa, mas a conseqüência. Não são os problemas a serem atacados, mas as consequências de uma igreja presa na Idade Média. O celibato dos padres, a proibição da ordenação feminina, e, gravíssimo, os escândalos de pedofilia são o resultado de uma igreja que precisa de soluções, não de dogmas. No entanto, não adianta a igreja Católica se preocupar com a igreja protestante – e é isso que ela faz. A fé evangélica terá o mesmo rumo daqui a duas ou três gerações se permanecer dessa forma, e passará por sua crise também. Ambas as igrejas tem o mesmo problema: um exagero na afirmação de dogmas, e a fé, que deveria ser a sustentação, se perde. A diferença é que o católico percebeu. E mudou de religião. Não combateu o problema. O protestante está cego. Mas se as gerações que virão perceberem o erro, o caos na igreja cristã será generalizado. Uma igreja que deveria ser unida, é muitas vezes inimiga, e, se continuar assim, rachará.
A Fé Cristã precisa de ações, precisa de firmeza, de bom senso, precisa ser Cristocêntrica e não dogmática. Precisa voltar às origens. Precisa de uma segunda reforma, mas não uma reforma que rache a fé, uma reforma que uma. A fé protestante precisa retornar à fé primitiva. E a fé católica precisa sair do passado. Caso contrário, seremos irmãos sem mãe.



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