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quinta-feira, 17 de março de 2016

#366Acordes - Acorde #77 - Como Nossos Pais


#77 –17/03/16 – “Como nossos pais”
Composição: Belchior
Interpretação: Elis Regina

Se estivesse viva, hoje Elis Regina completaria 71 anos. Elis pereceu, provavelmente, pelas drogas, deixando três crianças pequenas sem a mãe. Não posso e não pretendo questionar aqui onde ela errou, tampouco a personalidade forte da cantora, mas ressaltar a cantora Elis, sua presença de palco absurda, seu vozeirão de contralto perfeito, as canções memoráveis que Elis defendeu. Depois de encantar o Brasil e “criar” a MPB, com Arrastão, a carreira de Elis foi brilhante, sempre em ascensão. Participou incessantemente dos festivais e gravou mais de 20 discos. Foi em 1976, depois do espetáculo com inspiração circense Falso Brilhante, que ela gravou o disco homônimo, o qual se tornou um dos mais representativos da MPB e alavancou a carreira de um jovem compositor, um tal de Belchior, autor de duas antológicas canções do disco.

Pois bem, para mim, falar de Como Nossos Pais é tão difícil quanto falar de Elis. Existem dezenas de interpretações diferentes para uma das letras mais profundas da música brasileira, e não me atrevo a criar mais uma, ou, tampouco, defender alguma que já exista. Limito-me a admirar a performance absurda e hipnotizante de Elis, no Fantástico, com uma veracidade e explosão que chocam e comovem, uma ferocidade genuína que não se vê em mais ninguém, uma sinceridade que provoca quase uma declamação da letra. Também prefiro me ater aos fatos, e contra fatos não há argumentos: a letra exalta a juventude, critica poeticamente a violência (da ditadura, com certeza). E, no coração da letra, o eu lírico certamente critica a posição conservadora e ultrapassada de alguém, porém, mais para a frente, pode-se notar que o mesmo eu lírico que condena o conservadorismo e clama pela sua juventude, respeita alguém que lhe deu a “consciência de uma nova juventude”, talvez seu pai, sua mãe, que permanece “contando o vil metal”. Da para interpretar de mil maneiras essa parte: qual pai e mãe (decente) não se preocupa em contar o vil metal para sustentar seus filhos, independente de ser conservador ou sábio?

Por outro lado, o eu lírico afirma que o novo sempre vem, que nosso ídolos ainda são os mesmos, todavia, o que era novo antes hoje já é velho! E quem criticava os ídolos hoje não é o novo ídolo? Mais, o poema é sempre visto unilateralmente, mas, e se for um diálogo? E se o novo estiver dialogando com o velho (Quero lhe contra como vivi e tudo que aconteceu comigo, E o sinal está fechado para nós, que somos jovens). Enfim, já estou divagando, algo que não queria fazer, mas que é quase impossível, ao se embasbacar com a letra brilhante de Belchior e a interpretação antológica da Pimentinha. 



Não quero lhe falar
Meu grande amor
Das coisas que aprendi
Nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa

Por isso cuidado, meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado pra nós
Que somos jovens

Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço
O seu lábio e a sua voz

Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sinto tudo na ferida viva
Do meu coração

Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais

Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém

Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando

Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem

Hoje eu sei
Que quem me deu a ideia
De uma nova consciência
E juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando o vil metal

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais...


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