Submarino

Páginas

domingo, 14 de fevereiro de 2016

#366Acordes - Acorde #45 - Linhas Tortas

#45 – 14/02/16 – “Linhas Tortas”
Composição: Gabriel, o Pensador
Interpretação: Gabriel, o Pensador

Você sabia que Gabriel, o Grande Pensador, já venceu o Prêmio Jabuti, o maior prêmio da Literatura nacional, e na categoria infantil? Isso é apenas uma mostra de que o carioca não se limitou à música para espalhar sua arte. Gabriel é um dos rappers mais famosos do Brasil e suas letras se consagraram por fugirem do óbvio e do lugar comum desse estilo musical e não terem medo de censura – como a maioria dos rappers. São memoráveis Cachimbo da Paz, Surfista Solitário, Até Quando, Paz, Palavras repetidas, Muito Orgulho, Meu Pai!,LoraBurra (essa é épica), e foi na sua veia literária (Gabriel foi assim batizado em homenagem ao Gabriel mais famoso da literatura latino-americana) que Gabriel buscou inspiração para aquela que, na minha [fecal] opinião, é a maior de todas. Presente no disco Sem Crise, de 2012, Linhas Tortas foi uma resposta à críticas que recebera sobre o valor do cachê de sua participação na feira do livro de Bento Gonçalves (tinha que ser). Gabriel rebateu as críticas à altura. A letra toca no coração de todo aquele que ama ler e escrever e responde a todos aqueles que acham um crime ganhar dinheiro com literatura, ou qualquer outro tipo de arte, como se fosse desonesto (gastar dinheiro com carnaval e futebol pode). Gabriel mesclou sua revolta com seu amor pelas palavras desde sua infância e compôs uma obra prima. Para arrematar o ar de protesto, a canção foi lançada antes do álbum, direto no Youtube, e até a data presente tem mais de 6 milhões de views.



 Alguns às vezes me tiram o sono
Mas não me tiram o sonho
Por isso eu amo e declamo, por isso eu canto e componho
Não sou o dono do mundo, mas sou um filho do dono
Do verdadeiro Patrão, do verdadeiro Patrono

- E aí, Gabriel, desistiu do cachê?
- Cancelei um trabalho aí pra não me aborrecer
- Explica melhor, o que foi que você fez?
- Tá, tudo bem, eu explico pra vocês

Tudo começou na aula de português
Eu tinha uns cinco anos, ou talvez uns seis
Comecei a escrever, aprendi a ortografia
Depois as redações, para a nossa alegria
Professora dava tema-livre, eu demorava
Pra escolher um tema, mas depois eu viajava
E nessas viagens os personagens surgiam
Pensavam, sentiam, choravam, sorriam
Aí a minha tia-avó, veja só você
Me deu de aniversário uma máquina de escrever
Eu me senti um baita jornalista, tchê
Que nem a minha mãe, que trabalhava na TV
Depois, já aos quinze, mas com muita timidez
Fiquei muito sem graça com o que a professora fez
Ela pegou meu texto e leu pra turma inteira ouvir
Até fiquei feliz, mas com vontade de fugir
Então eu descobri que já nasci com esse problema
Eu gosto de escrever, eu gosto de escrever, crer, ver
Ver, crer, eu gosto de escrever e escrevo até até poema

Meu Pai, eu confesso, eu faço prosa e verso
Na feira eu vendo livro, no show eu vendo ingresso
Na loja eu vendo disco, já vendi mais de um milhão
Se isso for um crime, quero ir logo pra prisão

- Ih, pensador, isso é grave, hein!
É, vovó dizia que eu já escrevia bem
Tentei me controlar, me ocupar com um esporte
Surf, futebol, mas não era o meu forte
Um dia eu fiz uns raps e achei que tava bom
Me batizei de Pensador e quis fazer um som
Ficar famoso e rico nunca foi minha meta
Minha mãe já era isso, eu só queria ser poeta
Meu pai, um homem sério, um gaúcho de Poá
Formado em medicina, não podia acreditar
Ao ver o seu garoto Gabriel
Com um fone nos ouvidos, viajando com a caneta no papel
- O que cê tá fazendo? Vai dormir, moleque!
- Ah, pai, peraí, eu só tô fazendo um rap!
Ninguém sabia bem o que era, mas eu tava viciado naquilo
E viciei uma galera!

Meu Pai, eu confesso, eu faço prosa e verso
Na feira eu vendo livro, no show eu vendo ingresso
Na loja eu vendo disco, já vendi mais de um milhão
Se isso for um crime, quero ir logo pra prisão

Não tô vendendo crack, não tô vendendo pó
Não tô vendendo fumo, não tô vendendo cola
Mas muitos me disseram que o que eu faço é viciante
E vicia os estudantes quando eu entro nas escolas
Até os professores às vezes se contaminam
Copiam minhas letras e textos e disseminam
Sementes do que eu faço, já não sei se é bom ou mau
Mas sei que muito aluno começa a fazer igual
Escrevendo poemas, escrevendo redações
Fazendo até uns raps e umas apresentações
Me lembro dos meus filhos e a saudade é cruel
Solidão me acompanha de hotel em hotel
Casamento acabou, eu perdi na estrada
O amor que ainda tenho é o amor da palavra
É falar e cantar, despertar consciências
Dediquei a vida a isso e a maior recompensa
É servir de referência pra quem pensa parecido
Pra quem tenta se expressar e nunca é ouvido
É olhar pra minha frente e enxergar um mar de gente
E mergulhar no fundo dos seus corações e mentes
É esse o meu mergulho, não é o do Tio Patinhas
É esse o meu orgulho, escrever as minhas linhas
Escrevo em linhas tortas, inspirado por alguém
Que me deu uma missão que eu tento cumprir bem
Escuto os corações, como um cardiologista
Traduzo o que eles dizem como faz qualquer artista
Que ganha o seu cachê, que é fruto do trabalho
De cigarra e de formiga, e eu não sei o quanto eu valho
Mas sei que quando eu ganho, divido e multiplico
E quanto mais eu vou dividindo, mais fico rico
Rico da riqueza verdadeira que é de graça
Como um só sorriso que ilumina toda a praça
Sorriso emocionado de um senhor experiente
Em pé há duas horas debaixo do sol quente
Ouvindo os meus poemas em total sintonia
Eu sou ele amanhã, e hoje é só poesia.

Meu Pai, eu confesso, eu faço prosa e verso
Na feira eu vendo livro, no show eu vendo ingresso
Na loja eu vendo disco, já vendi mais de um milhão
Se isso for um crime, quero ir logo pra prisão

 Ei, Ei, parado você aí!
Quem, eu?
É, você mesmo, vai pra onde?
Vou trabalhar!
Que é isso aí, é droga?
Não, mas faz quem usa viajar
É o que, é arma?
Não, mas faz quem usa ser mais forte
Que você vai fazer com isso?
Eu vendo isso pra quem tem o poder de compra dos que não podem comprar
E ajudo a aplicar no povo, explico o modo de usar
Eu vendo livros, cara!
É um bom negócio?
Honesto e bom, pode crer
E a melhor parte é poder entregar sabendo que alguém vai ler

Tem gente que escreve por ego, ou só pra fazer firula
Meu texto é simples, sincero, é tinta que sai da medula...
Eu chuto as palavras pra fora e elas que vêm me buscar
Num jogo de bola e gandula

Ah... entendi... quanto é? Vê um desse aí...
 É 35...

Nenhum comentário: