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quinta-feira, 26 de maio de 2016

Vem Ni Mim



Quando um programa de televisão te faz chorar, ou ele é o pior do mundo, ou é o melhor. Em relação ao MasterChef (Brasil) e todas as sensações que ele nos proporciona, me inclino consideravelmente à segunda opção. Abstenho-me, normalmente, de falar de televisão, porque é um móvel bastante dispensável para mim, ainda mais em tempos de internet - o próprio MasterChef, vejo pelo Youtube, no canal oficial do programa. Mas, quando vi o Sérgio falar tão bem dessa atração empolgante e criativa, resolvi experimentar. Perdi a primeira temporada, mas acompanhei fielmente a segunda, e idem para a terceira, que está surpreendendo a todos nós, porém, por motivos muito além do cozinhar.

Para quem não está muito por dentro das (boas) novidades televisivas, o MasterChef  é um reality show de culinária (sim, tinha tudo para ser uma b#sta) exibido na Band, toda terça-feira, a partir das dez e meia, apresentado por Ana Paula Padrão e comandado pelos grandes chefs Érick Jacquin, Paola Carosella e Henrique Fogaça. Em todo episódio, os participantes passam por duas provas, desafiados a preparar os pratos mais difíceis e complexos, sendo que, a cada duas semanas, uma delas é uma prova em grupo. Na última terça, 24 de maio de 2016, esta foi no restaurante Dalva e Dito, do chef Alex Atala, um dos chefs mais renomados do Brasil e um dos restaurantes mais respeitados do país. Mas foi na segunda prova, de eliminação, que senti meu coração realmente quase parar dentro do peito.




Desde que comecei a assistir esse programa, me pergunto até que ponto o preciosismo da cozinha deve ser considerado, em um mundo onde milhões de pessoas morrem de fome todos os dias. De forma alguma pretendo desmerecer a profissão de cozinheiros e chefs, ao contrário, mas a sofisticação de um restaurante de alto gabarito, com uma, duas ou três estrelas Michelin, de um prato refinadíssimo e perfeito em seus mínimos detalhes, é tão contrastante com a imagem de uma criança que passa fome que eu me perco nessas reflexões. Porém, o mesmo programa que desafia seus participantes com pratos elaboradíssimos proporcionou um momento de reflexão que transcende tudo que eu já havia pensado sobre esse assunto.

Na última terça-feira, a jovem Gleice, de apenas 20 anos, foi a eliminada. Ao sair, Gleice mostrou uma força que eu daria tudo para ter apenas metade. Paola Carosella ficou visivelmente abalada, Jacquin ficou emocionado e Fogaça foi às lágrimas, assim como Lee, o carismático participante que "adotou" Gleice como sua pupila, que chorou rios. A maioria dos competidores, diga-se de passagem, ficou emocionado com a saída da moça. Toda essa choradeira tem um motivo sutil de ser. Em primeiro lugar, uma semana antes de começarem as audições do programa, lá no início de 2016, o irmão de Gleice, que participaria das audições com ela, foi assassinado no portão de casa. Gleice é pobre, negra, mora na favela, e tinha tudo para desistir da vida. Mas sua entrada na cozinha do MasterChef multiplicou por mil a força dentro de seu coraçãozinho. 




Ver o duro Fogaça cair no choro, Paola ficar sem palavras, Jacquin tremer a voz e Lee se desmanchar em lágrimas me fez chorar como um bebê e soluçar ao ver a saída de Gleice. Fez-me realizar a arte de preparar uma refeição, e finalmente compreender que uma cozinha - como tantos outros lugares e profissões - podem mudar vidas. Entre tantos participantes de classe além da média, como Leonardo e Raquel, e outros de arrogância nauseante, como a gaúcha Thaiana, Gleice se destacou pela sua humildade e pelo seu coração imenso, pela sua força e pela sua grandeza de espírito. Não importa o que a vida te dá e o que você consegue fazer com o que ela te deu, faça seu melhor. Não importa o fim da guerra, não importa mesmo, importa como você luta. Não é discurso comunista, tampouco sentimentalismo barato, é discurso realista, e, mais do que nunca, emocionado, porque senti falta de ar ao chorar com a saída de Gleice. O amor pela cozinha, o desafio de trabalhar num ambiente tão avassalador como um restaurante profissional - eu jamais conseguiria, não apenas por ser péssima cozinheira - já transformaram a vida dessa menina. 




Quando ela entrou no MasterChef, com um prato tão simples e brilhante como ela, um quindim, Fogaça disse que queria sentir a garra da participante durante o programa. Bateu no peito e disse "vem ni mim", gesto que ela repetiu e bordão que Gleice levou até sua saída. Depois de ter tanta tragédia em sua vida, tenho certeza de que Gleice será cada dia mais forte, mais madura, batalhando um dia de cada vez no grande front da vida. Que essa lição de força da Gleice atinja todos nós. Não apenas com lágrimas e falta de ar.




(Gleice representa o futuro do país. Este MasterChef é um pouco diferente dos outros, porque ele está reproduzindo o que está acontecendo no Brasil. Um país em que não há mais lugar para sacanagem e para ambição desmedida. Aqui, eu conheci o Brasil de sucesso. Amém, Lee)

  


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