Natal
é uma época difícil para cronistas.
Eles não podem ignorar a data
e
ao mesmo tempo não há mais maneiras originais de tratar do assunto.
Os
cronistas, principalmente os que estão no métier há tanto tempo,
que
ainda usam a palavra métier – já fizeram tudo que havia para
fazer com o
Natal. Já recontaram a história do nascimento de Jesus
de todas as formas:
versão moderna (Maria tem o bebê numa fila do
SUS), versão coloquial ("Pô,
cara, aí Herodes radicalizou e
mandou apagá as pinta recém-nascida, baita
mauca"), versão
socialmente relevante (os três reis magos são detidos pela
polícia
a caminho da manjedoura, mas só o negro precisa explicar o que
tem
no saco) versão on-line (jotace@salvad.com.bel conta sua vida
num chat sitc),
etc.
Papai
Noel, então, nem se fala. Eu mesmo já escrevi a história do
casal
moderno que flagra o Papai Noel deixando presentes sob a árvore
de Natal,
corre com o Papai Noel e não conta nada da sua visita para
o filho porque
querem criá-lo sem qualquer tipo de superstição
várias vezes.
Poucos
cronistas estão inocentes de inventar cartas fictícias com
pedidos
para o Papai Noel: patéticas (paz para o mundo, bom senso
para os
governantes), políticas ("Só mais um mandato e eu juro
que acerto, ass.
Fernando") ou práticas ("Algo novo para
escrever sobre o Natal, por amor de
Deus!").
Já
fomos sentimentais, já fomos amargos, já fomos sarcásticos
e
blasfemos, já fomos simples, já fomos pretensiosos – não há
mais nada a
escrever sobre o Natal! Espera um pouquinho. Tive uma
idéia. Uma reunião de
noéis! Noel Rosa, Noel Coward e Papai Noel.
Acho que sai alguma coisa.
Noel
Rosa, Noel Coward e Papai Noel estão reunidos... onde? Na mesa
de um
bar? Papai Noel não freqüenta bares para não dar mau exemplo.
Pelo
menos não com a roupa de trabalho. No Pólo Norte? Noel
Coward,
acostumado com o inverno de Londres, talvez agüentasse, mas
Noel Rosa
congelaria. Não interessa onde é o encontro. Uma das
primeiras lições da
crônica é: não especifica. Noel Rosa, Noel
Coward e Papai Noel estão reunidos
em algum lugar. Os três
conversam.
Noel Rosa – Ahm... Sim... Hmm...
Noel Rosa – Ahm... Sim... Hmm...
Noel
Rosa diz o quê?
Noel
Rosa – E então?
Noel
Coward e Papai Noel se entreolham. Papai Noel cofia a barba.
Ninguém
sabe, exatamente, o que é "cofiar", mas é o que Papai
Noel faz,
enquanto Noel Coward olha em volta com evidente desgosto
por estar em
algum lugar. Preferia estar em outro. A todas essas eu
penso em alguma coisa
para eles dizerem.
Noel
Rosa (tentando de novo) – E aí?
Papai
Noel – Aqui, na luta.
Noel
Coward – What?
Esquece.
Não há mais nada a escrever sobre o Natal.
Salvo
isto, se dão vênia: que seu Natal em nada lembre o da Chechênia.
(Luís Fernando Veríssimo (espero que seja)).
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