Submarino

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terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Mundo que Chegou Pelo Correio - parte 2 (Carl Sagan)

"Depois de algum tempo, começamos a poder distinguir os indivíduos. Um camarão está na muda, abandonando o seu velho esqueleto para criar espaço para o novo. Mais tarde, podemos ver o que restou – a casca transparente, como uma mortalha, pendendo rígidamente de um ramo, seu amigo ocupante cuidando de seus afazeres com uma nova carapaça luzidia. Eis um ao qual está faltando uma pata. Teria havido um furioso combate pata a pata, talvez por causa do afeto de uma devastadora beldade casadoira?
De certos ângulos, o topo da água é um espelho, e um camarão vê o seu próprio reflexo. Será que consegue se reconhecer? Mais provavelmente, apenas vê o reflexo como mais um camarão. De outros ângulos, a espessura do vidro curvo os amplifica, e então posso ver como eles realmente são. Observo, por exemplo, que têm bigodes. Dois deles correm para o topo da água e, incapazes de romper a tensão da superfície, batem no menisco. Depois, aprumados – um pouco espantados, imagino – afundam suavemente para o fundo da esfera. Suas patas estão cruzadas de modo casual, pelo menos é o que quase parece, como se a façanha fosse rotina, nada digno de contar na carta para a família. Eles são senhores de si.
Se consigo ver claramente um camarão pelo cristal curvo, imagino que ele deve ser capaz de me ver, ou pelo menos o meu olho – um grande disco preto avultando, com uma coroa marrom e verde. Na verdade, às vezes, quando estou observando um que mexe agitadamente nas algas, ele parece se enrijecer e olhar para mim. Temos feito contato ocular. Eu me pergunto o que ele acha que vê.
Depois de um ou dois dias de preocupações com o trabalho, acordo, dou uma olhada no mundo de cristal... todos parecem ter desaparecido. Eu me censuro. Não preciso alimentá-los, dar-lhes vitaminas, mudar a sua água, nem levá-los ao veterinário. Tudo o que tenho de fazer é cuidar para que não fiquem muito na luz, nem muito tempo no escuro, e que estejam sempre a temperaturas entre 40° e 85° F. (acima dessas temperaturas, acho que eles viram sopa, deixando de ser um ecossistema.) Por falta de atenção, eu os teria matado? Mas então vejo um deles colocando a antena para fora atrás de um ramo, e compreendo que eles ainda estão com boa saúde. São apenas camarões, porem depois de algum tempo começamos a nos preocupar com eles, a torcer por eles. Se ficamos a cargo de um pequeno mundo como esse, e conscienciosamente nos preocupamos com a sua temperatura e níveis de luz, então – fosse qual fosse a nossa intenção no inicio – acabamos por nos importar com aqueles que estão lá dentro. No entanto, se estiverem doentes ou morrendo, não podemos fazer muita coisa para salvá-los. De certo modo, somos mais poderosos que eles, mas eles fazem coisas – como respirar água – que não fazemos. Somos limitados, poderosamente limitados. Até nos perguntamos se não é cruel colocá-los nessa prisão de cristal. Mas nos tranqüilizamos com o pensamento de que pelo menos ali eles estão a salvo das baleias com barbatanas na boca, dos vazamentos de óleo e do molho de coquetel."

Um comentário:

silvo disse...

Cada quien a sus cualidades y apreciando las de los demás, saludos