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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Voando alto

Envolta numa esfera de sofisticação, a profissão de comissário de bordo é ansiada por muitos jovens que vêm na carreira a possibilidade de conhecer o mundo, e recebendo por isso. Outra facilidade são os poucos quesitos para ingressar nesse cargo: idade a partir de 18 anos, ensino médio completo e ser aprovado no curso de formação, promovido por escolas homologadas pela Agencia Nacional de Aviação Civil – Anac. Depois do curso, os candidatos podem fazer a prova oficial para tirar a licença de comissário. Depois de ter este documento em mãos, é hora de buscar as vagas nas companhias aéreas. Ao longo deste processo, porém, os candidatos percebem que há bem pouco glamour nessa carreira.
O curso todo de formação custa cerca de 2000 reais, e tem carga horária de 138 horas de aulas teóricas. A parte prática, de sobrevivência na selva, custa 350 reais e simula os possíveis desafios encontrados em caso de acidente. O dia de treinamento em uma chácara em Juquitiba, interior de SP, é agressivo: 14 horas de exercício, situações extremas e muita pressão. “Eu não vim aqui para fazer amigos”, grita o policial militar Everaldo, instrutor do curso.
Apenas com água, sal e açúcar na mochila, os aspirantes a comissários aprendem noções básicas de armadilhas contra animais, primeiros socorros, como obter água e fazer fogueira, entre outras práticas peculiares. “Foi a pior coisa para mim até agora, mas vale a pena o esforço para ser comissária”, disse Franciele, 23 anos, a quem coube a ingrata tarefa de degolar uma galinha e beber seu sangue. A justificativa para o molde militar do treino é simples. “Comissários devem saber gerenciar crises, desde a queda do café na roupa de um passageiro até a sobrevivência no meio da mata”, explica Cardoso, outro instrutor da Policia Militar.
Entre 217 alunos de 18 a 35 anos que tentam concluir o curso de formação de comissários e participam do dia de treino na mata, 80% são mulheres, na maioria das classes B, C e D. Segundo o Centro Educacional de Aviação do Brasil (Ceab) pelo menos 50% dos alunos terão emprego garantido. “Não existe um perfil preferencial das companhias, mas a apresentação pessoal conta muito. Normalmente pedem altura mínima (1,58 para mulheres e 1,65 para homens) e peso proporcional à altura”, diz Salmeron Cardoso, diretor do centro educacional e ex-comissário da Varig.
No Brasil, o piso salarial dos comissários é de cerca de 1300 reais, mas o salário médio da categoria é de 2500 reais, segundo o Ceab. De acordo com Sérgio Dias, diretor do Sindicato Nacional dos Aeronautas, a demanda por novos comissários tem aumentado. “Percebemos um déficit nos últimos anos. Agora as empresas voltaram a contratar”, explica ele. Somente em 2010, 2098 licenças de comissário foram autorizadas e emitidas pela Anac. Ao todo, o país tem cerca de 8 mil profissionais da área em dia com as exigências da agencia reguladora.
A jornada dos comissários no Brasil e de 9h30 por dia de voo, com limite de 5 pousos – por mês a carga máxima é de 85 horas de trabalho. Ainda este ano, porem, as companhias aéreas querem aumentar o encargo da tripulação (comissários e pilotos) para 110 horas por mês, o que vem gerando polemica no setor. A nova jornada é defendida pelas empresas como uma das saídas para aumentar a produtividade e evitar problemas de cancelamentos e atrasos nos aeroportos. Para o diretor do Sindicato dos Aeronautas, a medida é “absurda”. “Essa ideia está indo na contramão do mundo. A sobrecarga da tripulação não vai resolver os problemas de cancelamento de vôos e só vai servir para aumentar a chance de ocorrerem acidentes”, diz Dias. A proposta na mudança da lei deve ser encaminhada pelas companhias ao Congresso Nacional.
A maioria dos candidatos a comissários busca a profissão pelo suposto status. Gregory da Silva, 23 anos, deixou um emprego com salário de 800 reais para se dedicar ao curso. “Fui mecânico de aviões e sempre via meus colegas comissários arrumados, ganhando mais e conhecendo vários lugares. Então pensei: porque não eu? E ainda pretendo ser comandante”, afirma.
No final do árduo dia de tarefas na floresta, imundos e famintos, os aspirantes a comissários ainda têm que apagar chamas de 2 metros de altura, encarar um labirinto de fumaça e mergulhar numa piscina gelada. Quem não participar das atividades ou quebrar alguma regra – como comer escondido – é reprovado. Mas na luta por realizar o sonho de trabalhar nas alturas, ninguém parece disposto a desistir. No fim do treinamento em Juquitiba, somente uma pessoa não passou.

(Fonte: Folha Universal, edição 996, adaptado)

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