Estou lendo Crime e Castigo, do grande escritor russo Fiódor Dostoiévski, que o escreveu quando estava preso em Omsk, privado de toda dignidade e consumido pelo frio, fome e trabalho forçado incessante, além de crises epiléticas e outras moléstias, mas sempre imaginando como viveria ao recuperar a liberdade.
O personagem principal é Raskólnikov, um jovem que saiu de sua cidade deixando mãe e irmã, e foi estudar direito em São Petersburgo. Logo ele vê seus recursos acabarem, e o pouco dinheiro que sua mãe viúva lhe envia mal dá para seu sustento. Vendo-se nesta situação, Raskólnikov comete um crime, e como afirma o livro, "...consumado o crime, o castigo se põe em marcha."
Mas o que me chamou atenção foi um texto, escrito pelo próprio Raskólnikov, em um de seus trabalhos de faculdade, que intitula-se - de acordo com a memória de outro personagem - "Do Crime". Transcrevo abaixo a explanação do próprio Raskólnikov sobre o trecho que me pôs a pensar:
"Em geral, as pessoas com novas ideias, as pessoas minimamente capazes de fazer, ao menos, algo novo, nascem extremamente poucas, até, eu diria, estranhamente poucas. Apenas está claro que a ordem de aparecimento das pessoas e de todas essas categorias e subdivisões deve ser determinada, com muita certeza e precisão, por alguma lei da natureza. Desconhecemos, bem entendido, essa lei hoje, mas eu acredito que ela existe e, no futuro, pode tornar-se conhecida. Essa enorme massa humana, esse material existe na terra somente para que, afinal de contas, por meio de algum esforço, mediante algum processo até agora misterioso, com o auxílio de algum cruzamento de clãs e gêneros, apareça enfim nesse mundo, nem que seja só uma de mil pessoas, um homem minimamente autônomo. Um homem cuja autonomia seja mais ampla nasce, quem sabe, um só entre dez mil pessoas (...). Um homem de autonomia mais abrangente ainda nasce sozinho entre cem mil pessoas. Um homem genial surge sozinho no meio de milhões de pessoas, e os grandes gênios, os timoneiros da humanidade, nascem, talvez, no passar de vários milhares de milhões de pessoas que vivem na terra. Em suma, eu não vi aquela retorta, em que todo o processo se faz. Mas certa lei, sem dúvida, existe e deve existir: não há casualidade nisso."
Várias vezes pensei a respeito disso antes mesmo de conhecer a obra. Como explicar gênios do mundo financeiro e científico como Bill Gates, Steve Jobs, Albert Einstein, Miguel Nicolelis? Como explicar grandes escritores como Tolkien, Asimov e o próprio Dostoiévski? Não desmerecendo o esforço e a capacidade de cada um deles, mas eu sempre penso nos que tentaram e não conseguiram, e talvez a única explicação seja essa pré-determinação, essa escolha natural dos vencedores. Somos todos capazes, mas na maioria covardes, ou o herói é apenas um covarde que foi empurrado para a frente? Não seria mais provável que o vencedor seja alguém com o "gene da vitória" já inserido em seu DNA?
Sempre me questiono e sofro junto com as pessoas que vejo batalharem a vida toda, trabalharem - mais até do que outras - e não alcançarem seus objetivos, não alcançarem uma vida digna, não alcançarem seus sonhos. Há tanta gente competente ocupando postos incompatíveis com elas, e há tanta gente ignorante ocupando lugares de honra. Algumas vezes não é falta de esforço, nem de coragem, nem de capacidade, é apenas falta de sorte mesmo. E como explicar isso? Talvez era isso que incomodava o jovem Raskólnikov, destituído de seus sonhos, deitado em sua cama pobre, em seu quarto "que mais parecia um armário". Talvez seja esse o sentimento que cria o desespero e a falta de fé. Raskólnikov buscava uma explicação, e a única que encontrou foi essa seleção natural, determinada por algum ser superior.
É apenas um texto, apenas uma história, e eu até torço para que a verdade não esteja nessas linhas.
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