Certa vez o diabo entrou em uma igreja, por simples curiosidade. Sentou num dos últimos bancos e ficou ouvindo o sermão do pregador enquanto olhava as pessoas que ali estavam.
Um pouco mais à sua direita estava sentado um homem baixinho, beirando os cinquenta anos. O diabo começou a olhar o homem enquanto pensava: "Olha isso, cristão é assim mesmo: chinelo de dedos, jeans batido e quase rasgando, camisa de segunda mão. Por que Deus não o ajuda a ter uma vidinha um pouco melhor?"
Enquanto pensava assim, o diabo olhava o homem vagarosamente, subindo o olhar dos pés para a cabeça. Quando olhou para o rosto do homem, teve que baixar a visão novamente, pois o rosto do cristão pobre brilhava, o homem sorria e balançava afirmativamente a cabeça a cada frase que o pregador falava. O cristão era feliz, sentia paz por estar ali, sentia que tinha algo mais importante que tudo, e que levaria isso para sua casa quando a reunião acabasse. Ele estava se alimentando das palavras de Deus. O diabo então levantou-se e saiu da igreja de cabeça baixa.
Nos acostumamos a pensar que não precisamos mais de Deus e que não precisamos de paz, mas nossa alma geme dentro de nós enquanto estampamos nosso sorriso falso no rosto. Nos importamos demais com as coisas materiais, com a casa, com a organização, com o trabalho, com as aparências, e nada disso importa tanto.
Eu lembro da minha infância, tínhamos pouco, mas ao mesmo tempo tínhamos tudo. Eu me levantava ela manhã, tomava café e comia uma fatia de pão com margarina antes de ir para a escola. Muitas vezes almocei arroz, feijão e ovo frito, mas me sentia bem. Minha mãe cuidava de meu pai doente, e administrava a rotina, e ainda achava tempo para tratar bem meus amigos quando estes iam em minha casa.
Hoje tentamos encontrar paz num salário alto, numa casa perfeita, num bom carro, nas regras sociais, nas aparências, mas choramos e morremos por dentro porque na verdade nada disso importa. Nossa busca por outras coisas é só um paliativo, um disfarce. O desespero da alma nos torna insuportáveis, mas não queremos entender. O ser humano vive aqui há tanto tempo, e ainda não aprendeu a ter paz, infelizmente.
foto: Sérgio Rodrigues