Já gostei muito do Nerdcast. Até eles crescerem muito. Ouvi recentemente o NerdCast Empreendedor 17, falando sobre o livro "Sonho Grande" e meritocracia. Essa palavra tem me incomodado bastante. A autora do livro, Cristiane Correia, afirmou que "só critica a meritocracia quem não entrega resultados". Vivemos na era dos "empreendedores", da turma do "sonhe alto", do "pense grande", do "acredite", do "seja positivo", do "seja otimista". Eu vivo em outra realidade,mas fiquei feliz em pesquisar e descobrir que não estou sozinho.
Meu ódio chega ao limite quando ouço empresários poderosos falando que "não vence na vida quem não quer", afirmando que chegaram onde estão por mérito próprio. E fico triste quando vejo pessoas que vieram da periferia, da favela, venceram na vida, e agora esquecem de onde vieram e julgam seus semelhantes, taxando-os de incompetentes. O ser humano é tão hipócrita e cruel a ponto de tornar-se desprezível.
Será que é tão difícil perceber que em países como o Brasil não é possível aplicar a meritocracia? Não funciona! Existe na maioria das empresas a "puxasacocracia", pois sempre vi em todos esses anos pessoas exercendo cargos importantes sem nem conhecer direito seu trabalho, e sem se importar com isso. Vi pessoas entrarem juntas em uma mesma empresa, e uma delas "crescer" rapidamente por motivo de "afinidade" com seus superiores, e a outra permanecer anos na mesma função. Isso acontece todos os dias!
Eu nasci em uma família pobre, pai doente, mãe analfabeta. Estudei, meus pais me incentivaram. Cheguei onde cheguei (embora para muitos isso não signifique nada) e me sinto contente, mas isso não me dá o direito de julgar outras pessoas que cresceram nas mesmas condições e não conseguiram algo melhor. Eu critico SOMENTE aqueles que NÃO QUEREM TRABALHAR, e isso é algo bem diferente do assunto tratado aqui.
Ouvi um dos participantes do nerdcast dizer que foi expulso do colégio duas vezes, ele mesmo reconhecendo que isso não era um bom exemplo, e na hora foi repreendido pela Cristiane, que disse que "isso é outra coisa", ou seja, não é um problema. Uma meritocracia assim, não quero pra minha vida.
Há um cartaz espalhado pelas ruas da cidade onde moro que diz "Quantos pobres é preciso para fazer um rico?". Frase verdadeira. Querem um exemplo? O livro "Sonho Grande" - endeusando Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, donos da Ambev, da Heinz, Burguer King e mais meio mundo de empresas - relata suas estratégias de gestão, suas competências, seus milagres... mas me respondam: Quantas pessoas trabalham de verdade cujo trabalho sustenta este império? Quantos empregados destes três homens vendem suas horas de vida por quantias pequenas, sem saber que é o seu suor que mantém este império? Alguém vai escrever um livro sobre o funcionário da Ambev que levanta cedo, pega o ônibus, vai até a empresa e passa o dia engarrafando aquela porcaria para viciar outras pessoas? Não, ninguém vai. E sabem por que? Porque esse trabalho não é considerado importante... o atendente do Burguer King não é importante. O varredor de rua não é importante. O lixeiro não é importante. O carteiro não é importante. Quem tem valor são os "homens de negócio" que sobrevivem do suor alheio. E ainda tenho que ouvir a autora do livro afirmando que "homens como esses passam suas próprias camisas se for preciso"... Eu passo minha roupa há mais de vinte anos! Isso não tem valor?
A meritocracia não é válida no âmbito social. Falar em meritocracia no Brasil é como determinar o primeiro lugar numa corrida onde os corredores saíram em tempos diferentes e correram distâncias diferentes. Não há meritocracia sem igualdade de oportunidade. E enquanto houver a proteção de "conhecidos do meu pai" nas empresas, enquanto houver funcionárias que conquistam cargos indo para a cama com o superior, enquanto houver pessoas dispostas a puxar o tapete de outras, será impossível recompensar alguém por seus méritos. A meritocracia em si não é incorreta. Incorreto é usá-la de maneira hipócrita, num ambiente onde há um abismo entre classes sociais, onde há desigualdade de oportunidades e não existe capacitação.