Após a explosão, o
planeta tornou-se caos. Não havia mais cidades, somente um grande deserto,
formado por crateras de bombas e restos do que fora um dia a civilização
humana. Os sobreviventes
fugiam, escondiam-se, lutavam entre si pela sobrevivência. Como alimento,
restaram alguns animais, deformados pelos efeitos da guerra, da impureza do ar
e da água, mas estes animais tornaram-se muito mais violentos, lutando também
por sua sobrevivência.
Certos grupos de
humanos tornaram-se canibais, caçando outros humanos, outros sobreviventes,
tomando suas posses e devorando-lhes a carne. A luta era constante, a esperança
morreu na guerra. Só restou a loucura. Esses canibais
perderam o sentimento e o interesse por seus semelhantes, e, aos poucos,
perderam também a razão. Os gases tóxicos, a radiação, o clima hostil, as
doenças, tudo isso contribuiu para a deterioração do cérebro destes seres, que se
tornaram animais perigosos. Vagavam sem rumo, na maioria das vezes feridos, sem
alma, as carnes caindo de seus corpos. Tornaram-se zumbis.
Entre os poucos
sobreviventes que mantinham a razão, e que haviam se unido em pequenos grupos
para combater os zumbis, destacaram-se líderes que começaram a orientar os
demais. Eram ex-militares, caçadores, pessoas disciplinadas e que sabiam como
se defender e sobreviver neste ambiente hostil. Treinaram os homens e mulheres,
ensinando-os a atirar, se defender, caçar, lutar e encontrar comida no deserto
hostil da Terra. Dentre os aprendizes, destacou-se um jovem, que gostava muito
de ler, e sabia tudo a respeito de sistemas de comunicação, matemática e
física. Fã de Asimov, Clark, Rowling, Sagan, Tolkien e Hawking, sua mente era
uma vasta biblioteca. Se a guerra não tivesse acontecido e as bombas não
tivessem destruído a civilização, ele seria um nerd. Mas nos dias atuais, ele
era um achado, e escolheu pra si o apelido de Hunter. Parecia arrogância, mas
não era.
Certo dia, Hunter
saiu para encontrar comida. Caminhou a tarde toda, e havia encontrado pouca
coisa num velho depósito subterrâneo. Cansado, demorou-se muito na volta para a
base. A noite caiu, e alguns homens resolveram ir ao encontro do nerd, preocupados
com sua demora.
Hunter caminhava oculto
na sombra, sob um viaduto destruído, tentando atingir uma saída que acessava
uma antiga avenida. Estava atento, mas preocupado. Havia um canto cego, uma
pequena “esquina” pela qual teria que passar, e onde não teria uma visão
completa da saída, devido aos entulhos do desabamento do viaduto, que caiu
formando uma muralha. Mas este era o único caminho. Caminhava silenciosamente, dedo
no gatilho, sentidos alertas. O canto escuro se aproximava, e Hunter acionou a
lanterna embutida em seu fuzil. Mais um passo, e mais
outro. Pronto, o canto escuro foi contornado, e a fraca luz da lua entre as nuvens
negras já podia ser vista. Foi quando Hunter a viu. Era magra, alta, cabelos
pelo ombro. A fraca claridade não deixava ver as feições da jovem, e ele
precisava saber se ela era apenas uma sobrevivente apavorada, ou um zumbi
faminto. Hunter percebeu que ela carregava algo, abraçado contra o peito, e iluminou-a,
descobrindo que o objeto era um livro. Quando a luz da lanterna permitiu ver o
título estampado na capa, Hunter não teve dúvida: abriu fogo, explodindo a
cabeça da jovem e dando-lhe uma morte instantânea. Os amigos que saíram à sua
procura e já estavam próximos, correram em seu auxílio guiando-se pelo barulho
do tiro, mas o problema já estava resolvido, e Hunter, um pouco assustado,
sussurrou:
- Não sei se era um
zumbi, mas o livro é a prova de que ela não tinha mais cérebro...
O corpo sem vida
estava no chão, ainda abraçado ao livro em cuja capa se lia: “Clarice na
Cabeceira".
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