Submarino

sábado, 28 de janeiro de 2012

1984 (Marvin)

Acabei de ler o romance “1984” de George Orwell. Interessante como o autor previu a realidade em que vivemos. Claro, não temos ainda um “Grande Irmão” controlando tudo e apagando fatos históricos ou reescrevendo-os de acordo com seus interesses. Não temos ainda uma “Polícia das Ideias” investigando, prendendo, torturando e vaporizando qualquer um que não concorde com a realidade. Mas a manipulação é a mesma. A vida dos “proletas” que George Orwell descreveu é a nossa vida, a vida da maioria dos brasileiros, que não conseguem ver que são manipulados e enganados por uma classe dominante, e além disso, aceitam esta vida como se tudo estivesse bem.

“’Os proletas não são seres humanos’, disse, despreocupado. ‘Lá por 2050 – ou antes, talvez – todo conhecimento real de Velhafala terá desaparecido. Toda a literatura do passado terá sido destruída. Chaucer, Shakespeare, Milton, Byron existirão somente em suas versões em Novafala, em que, além de transformados em algo diferente, estarão transformados em algo contraditório com o que eram antes. A literatura do Partido será outra. Os slogans serão outros. Como podemos ter um slogan como ‘Liberdade é escravidão’ quando o conceito de liberdade foi abolido? Todo o clima de pensamento será diferente. Na realidade não haverá pensamento tal como o entendemos hoje. Ortodoxia significa não pensar – não ter necessidade de pensar. Ortodoxia é inconsciência.’”

E o que vemos hoje, especialmente no Brasil? O povo brasileiro já é acomodado por natureza. Sempre comento com a Larissa que talvez se o Brasil tivesse enfrentado alguma guerra, ou peste ou outra grande calamidade como a Europa enfrentou, fossemos um país melhor. Mas somos comodistas, preguiçosos, preferimos não pensar. Preferimos aceitar a opinião pronta que nos é empurrada goela abaixo pelas emissoras de TV. Muitos de nós vivemos numa situação de pobreza, mas não querem sair dela (isso mesmo), pois é cômodo viver recebendo ajuda do Governo, é cômodo viver como alvo da bondade de outras pessoas. Reclamamos que não temos leite em casa, mas nunca deixamos de beber cerveja na sexta-feira. Reclamamos por não ter carne no prato todos os dias, mas temos um cigarro entre os dedos a todo instante. Reclamamos dos bandidos e ladrões que vivem à solta, mas não temos pulso pra dizer não aos nossos filhos enquanto são pequenos. Reclamamos da corrupção dos políticos, mas exultamos quando alguém se engana no troco e nos devolve dinheiro a mais. Ficamos preocupados porque o país não se classificou na Copa, mas não nos importamos em saber que a educação em nosso país é uma das piores do mundo. Reclamamos, mas no íntimo dizemos “Assim está bom.”

“Se é que há esperança, escreveu Winston, a esperança está nos proletas.”

“Enquanto não se conscientizarem, não serão rebeldes autênticos e, enquanto não se rebelarem, não têm como se conscientizarem.”

“Na realidade, pouco se sabia sobre os proletas. Não era necessário saber grande coisa. Desde que continuassem trabalhando e procriando, suas outras atividades careciam de importância. Abandonados a si mesmos, tal como o gado solto nos pampas argentinos, haviam regredido ao estilo de vida que lhes parecia natural – uma espécie de modelo ancestral. Nasciam, cresciam pelas sarjetas, começavam a trabalhar aos doze anos, aos trinta chegavam à meia-idade, em geral morriam aos sessenta. Trabalho físico pesado, cuidados com a casa e os filhos, disputas menores com os vizinhos, filmes, futebol, cerveja e, antes de mais nada, jogos de azar, preenchiam o horizonte de suas mentes. Não era difícil mantê-los sob controle. Alguns representantes da Polícia das Ideias circulavam entre eles, espalhando boatos falsos e identificando e eliminando os raros indivíduos considerados capazes de vir a ser perigosos; mas não era fita nenhuma tentativa no sentido de doutrina-los com a ideologia do Partido. Não era desejável que os proletas tivessem ideias políticas sólidas. Deles só se exigia um patriotismo primitivo, que podia ser invocado sempre que fosse necessário fazê-los aceitar horários de trabalho mais longos ou rações mais reduzidas. E mesmo quando eles ficavam insatisfeitos, como às vezes acontecia, sua insatisfação não levava a lugar nenhum, porque, desprovidos de ideias gerais como eram, só conseguiam fixar-se em queixas específicas e menores. Os grandes males invariavelmente escapavam a sua atenção. A vasta maioria dos proletas não tinha nem sequer uma teletela em casa. Até mesmo a polícia civil pouco se interessava por eles. Londres era assolada pela criminalidade, um verdadeiro mundo paralelo de ladrões, bandidos, prostitutas, traficantes de drogas e trambiqueiros de todos os tipos; mas como tudo isso acontecia entre os próprios proletas, não fazia a menor diferença. Em todas as questões morais, nada os impedia de adotar seu código ancestral. (...) Como afirmava o slogan do Partido: ‘Proletas e animais são livres’”.

Incrível este texto! É a nossa realidade! A nossa vida. Crescemos e trabalhamos sem um fim específico, sem um objetivo que valha a pena. Passamos o domingo, nosso dia de descanso, na frente de uma tv, ou em um bar enchendo a cara com “amigos”. Preocupamo-nos com coisas fúteis e aparentes, mas não sabemos o que se passa na alma do país, e não nos importamos com isso. Acomodamo-nos e nos acostumamos com a vida medíocre que levamos, mesmo sabendo que para os que estão na cúpula, não temos valor nenhum. Somos a massa, que precisa ser entretida com pão e circo e manipulada com mentiras para o bem de uma minoria. Acreditamos que a vida é esta: Crescer, estudar e obter uma educação medíocre, casar e ter alguns filhos, e tentar viver até auqe a morte chegue. Acreditamos que não há mudança. Os pobres acostumam-se a viver recebendo favores do Governo. A classe média acostuma-se a viver de aparência e a classe alta vive sem se importar com quem está abaixo. Mas todos somos engrenagens de uma mesma máquina de mentiras e engodos que alimenta o sistema.

No mundo criado por George Orwell até mesmo o que parecia ser contra a lei era manipulado pela lei, e o Partido fazia com que as pessoas pensassem que estavam burlando o sistema, mas elas não sabiam que continuavam sendo manipuladas.

“...Pornodiv, divisão do Departamento de Ficção encarregada de produzir pornografia barata para distribuir entre os proletas. A divisão recebera o apelido de Casa da Nojeira, dado pelas pessoas que trabalhavam lá, explicou (Julia). Ficara lá durante um ano, ajudando a produzir opúsculos em pacotes lacrados com títulos como ‘Casos de espancamento’ ou ‘Uma noite num internato de garotas’, que seriam comprados furtivamente por jovens proletários convencidos de que estavam adquirindo algo ilegal.”

George Orwell tinha uma visão tão ampla da sociedade que conseguiu, contando a história fictícia em seu livro, falar das diferenças sociais que afetam a sociedade humana, e vemos que é exatamente assim que acontece em nossos dias:

“Porque se lazer e segurança fossem desfrutados por todos igualmente, a grande massa de seres humanos que costuma ser embrutecida pela pobreza se alfabetizaria e aprenderia a pensar por si; e depois que isso acontecesse, mais cedo ou mais tarde essa massa se daria conta de que a minoria privilegiada não tinha função nenhuma e acabaria com ela. A longo termo, uma sociedade hierárquica só era possível num mundo de pobreza e ignorância.”

Impressiona-me a semelhança deste romance com nossa atual situação. É isso que vivemos. Orwell nos fala até da política, explicando que os da classe média sobem ao poder (quando sobem) com o apoio dos da classe baixa, usando promessas como liberdade, justiça e fraternidade, mas quando chegam lá em cima, empurram os da classe baixa de volta, e instalam uma nova tirania no lugar da que foi derrubada. Somos manipulados e acreditamos que aqueles que estão numa posição de poder importam-se conosco, mas não é verdade. Eles precisam de nós para manter-se no poder, mas nós, na verdade, não precisamos deles. Infelizmente não vemos isso, e nos contentamos com nossa vida medíocre, com uma cerveja após o trabalho, programas de auditório no domingo, um churrasco ao meio dia, um trabalho qualquer... Como Orwell dizia, “a massa nem sequer se dá conta de sua opressão”. O povo brasileiro além de corrupto, é acomodado por natureza. Nada vai mudar, porque não nos importamos com educação, somos o cavalo dos poderosos, e somos um cavalo feliz.

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