Submarino

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Sou brasileiro e não desisto nunca

Esta crônica eu escrevi em 2012 quando estávamos - eu e a Larissa - fazendo um curso de crônicas promovido pelo SESC. Ela foi publicada em algum lugar numa certa coletânea de crônicas dos alunos deste curso, coletânea esta que nunca vi...


Sou brasileiro e não desisto nunca

Seu Luis acordou pela manhã com a voz dos filhos reclamando que não havia leite e teriam novamente que tomar café preto antes de sair para a escola, sinal de que sua mulher não havia recebido o Bolsa Família deste mês. Ah, esse Governo, não tem jeito mesmo. O filho mais velho, já com seus treze anos, aproveitou a oportunidade para fugir da obrigação e disse:

- Quer saber? Não vou pra aula sem café!

Jogou a mochila em um canto do sofá, pegou uma bola velha de couro, jogou dentro de uma sacola e saiu levando o precioso objeto. A mãe gritou um “volte aqui, moleque” mais por obrigação que por vontade própria, mas o garoto já estava longe.

A vida era dura, seu Luís tinha pouco estudo. Casou novo, e agora não tinha tempo pra terminar o ensino médio. Já haviam lhe falado em escola para adultos, mas era complicado. Como ele iria passar suas noites numa sala de aula, sendo que estava acostumado com o futebol e a roda de samba? Ele precisava viver.

Enquanto pensava, Luís levantou esfregando os olhos para espantar o sono. No meio do caminho para o banheiro, pegou uma garrafa de cachaça que encontrou no armário e tomou um gole, fazendo uma careta. Após lavar o rosto, sentou-se à mesa. Seu café estava servido: uma fatia de pão amanhecido, café fraco sem leite, e o mau-humor de sua mulher.

Foi trabalhar, mas chegou atrasado, pois passou no bar do Chico pra marcar o pagode pra mais tarde. Luís tocava pandeiro, e se fosse dedicado ao trabalho como era ao pandeiro, os problemas da construção civil no Rio de Janeiro seriam menores. Quando chegou na obra, os pedreiros já estavam pedindo massa.

- Ô chefe, desculpa o atraso aí...

- Tudo bem, Brasil (seu chefe o chamava pelo sobrenome, lembrando os tempos de exército), só quero saber se você confirmou o pagode pra hoje à noite.

- Tá firmado. É só levar a cerveja. Já tem quem toque e também quem dance...

- Essa é a melhor parte!

É sexta-feira. Luís Brasil está feliz. Recebeu seu dinheirinho e vai ao pagode mais tarde, com muita cerveja e muita mulher. Tinha baile funk no morro do Engenho, mas Luís não ia. Quando comparecia, era só pra ver as funkeiras.  No sábado vai ter jogo do Mengão no Maraca, Luís Brasil, torcedor fiel, não vai faltar. Tá certo que o transporte do morro até o estádio é complicado e caro, e o ingresso do jogo, mais caro ainda. E em casa, a carne e o leite haviam acabado, e o gás já estava dando seus últimos suspiros de vida na cozinha, mas o dinheiro do ingresso e da cerveja era sagrado, e por isso, mantido longe das vistas de sua mulher. Eu preciso de um pouco de diversão – pensava o Brasil – não posso viver só me preocupando com o trabalho! Quando os filhos reclamavam, a consciência doía um pouco, mas logo passava, e o sorriso malandro voltava a estampar a face de Luís Brasil. Um dia – pensava ele – as coisas vão melhorar. Afinal, sou brasileiro, e não desisto nunca.

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