Esta crônica eu escrevi em 2012 quando estávamos - eu e a Larissa - fazendo um curso de crônicas promovido pelo SESC. Ela foi publicada em algum lugar numa certa coletânea de crônicas dos alunos deste curso, coletânea esta que nunca vi...
Sou brasileiro e não desisto nunca
Seu
Luis acordou pela manhã com a voz dos filhos reclamando que não havia leite e
teriam novamente que tomar café preto antes de sair para a escola, sinal de que
sua mulher não havia recebido o Bolsa Família deste mês. Ah, esse Governo, não
tem jeito mesmo. O filho mais velho, já com seus treze anos, aproveitou a
oportunidade para fugir da obrigação e disse:
-
Quer saber? Não vou pra aula sem café!
Jogou
a mochila em um canto do sofá, pegou uma bola velha de couro, jogou dentro de
uma sacola e saiu levando o precioso objeto. A mãe gritou um “volte aqui,
moleque” mais por obrigação que por vontade própria, mas o garoto já estava
longe.
A
vida era dura, seu Luís tinha pouco estudo. Casou novo, e agora não tinha tempo
pra terminar o ensino médio. Já haviam lhe falado em escola para adultos, mas
era complicado. Como ele iria passar suas noites numa sala de aula, sendo que
estava acostumado com o futebol e a roda de samba? Ele precisava viver.
Enquanto
pensava, Luís levantou esfregando os olhos para espantar o sono. No meio do
caminho para o banheiro, pegou uma garrafa de cachaça que encontrou no armário
e tomou um gole, fazendo uma careta. Após lavar o rosto, sentou-se à mesa. Seu
café estava servido: uma fatia de pão amanhecido, café fraco sem leite, e o mau-humor
de sua mulher.
Foi
trabalhar, mas chegou atrasado, pois passou no bar do Chico pra marcar o pagode
pra mais tarde. Luís tocava pandeiro, e se fosse dedicado ao trabalho como era
ao pandeiro, os problemas da construção civil no Rio de Janeiro seriam menores.
Quando chegou na obra, os pedreiros já estavam pedindo massa.
-
Ô chefe, desculpa o atraso aí...
-
Tudo bem, Brasil (seu chefe o chamava pelo sobrenome, lembrando os tempos de
exército), só quero saber se você confirmou o pagode pra hoje à noite.
-
Tá firmado. É só levar a cerveja. Já tem quem toque e também quem dance...
-
Essa é a melhor parte!
É
sexta-feira. Luís Brasil está feliz. Recebeu seu dinheirinho e vai ao pagode
mais tarde, com muita cerveja e muita mulher. Tinha baile funk no morro do
Engenho, mas Luís não ia. Quando comparecia, era só pra ver as funkeiras. No sábado vai ter jogo do Mengão no Maraca, Luís
Brasil, torcedor fiel, não vai faltar. Tá certo que o transporte do morro até o
estádio é complicado e caro, e o ingresso do jogo, mais caro ainda. E em casa,
a carne e o leite haviam acabado, e o gás já estava dando seus últimos suspiros
de vida na cozinha, mas o dinheiro do ingresso e da cerveja era sagrado, e por
isso, mantido longe das vistas de sua mulher. Eu preciso de um pouco de
diversão – pensava o Brasil – não posso viver só me preocupando com o trabalho!
Quando os filhos reclamavam, a consciência doía um pouco, mas logo passava, e o
sorriso malandro voltava a estampar a face de Luís Brasil. Um dia – pensava ele
– as coisas vão melhorar. Afinal, sou brasileiro, e não desisto nunca.
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