Submarino

sábado, 25 de setembro de 2010

Cotidiano Pré Histórico (Carl Sagan)

Mais um texto de Carl Sagan. Interessante como ele descreve o cotidiano de uma família, um grupo pré histórico, como se ele fizesse parte desse grupo. Nos faz parar e pensar nos primórdios da humanidade. Ao analisarmos a organização do ser humano, chegamos à conclusão que não evoluímos tanto assim...


"Andamos por aí. Com nossos filhos e nossos pertences nas costas, seguimos em frente – perseguindo a caça, procurando os buracos de água. Armamos um acampamento por algum tempo, depois partimos de novo. Para providenciar os alimentos para o grupo, os homens em geral caçam, as mulheres em geral colhem. Carne e batatas. Um típico bando itinerante, geralmente uma família extensa de parentes de sangue e de afinidade que chega a algumas dúzias. Anualmente, muitos de nós, com a mesma língua e cultura, se reúnem – para cerimônias religiosas, para comerciar, arranjar casamentos, contar histórias.
Estou me atendo aos caçadores, que são homens. Mas as mulheres têm poder social, cultural e econômico. Elas colhem os produtos essenciais – as castanhas, as frutas, os tubérculos, as raízes, bem como as ervas medicinais, caça pequenos animais e fornecem informações estratégicas sobre os movimentos dos animais grandes. Os homens também colhem alguma coisa e fazem grande parte do “trabalho doméstico” (mesmo que não existam casas). Mas a caça – só para obter alimento, nunca por esporte – é a ocupação constante de todo macho capaz.
Os meninos pré-adolescentes caçam pássaros e pequenos mamíferos com arcos e flechas. Já adultos, são peritos em conseguir armas; em aproximar-se furtivamente da presa, matá-la e abatê-la; e em carregar os pedaços de carne de volta para o acampamento. O primeiro abate bem sucedido de um grande mamífero indica que o jovem se tornou adulto. Em sua iniciação, incisões rituais são feitas em seu peito ou braços, e uma erva é esfregada nos cortes para que, quando cicatrizados, apareça uma tatuagem desenhada. É como as fitas de campanha – só de olhar para o seu peito, já se sabe alguma coisa de sua experiência de combate.
Dentre uma confusão de marcas de cascos, podemos dizer com precisão quantos animais passaram; a espécie, os sexos e as idades; se algum estava manco; há quanto tempo passaram; a que distância estão agora. Alguns animais jovens podem ser capturados por luta em campo aberto; outros, com arremessos de estilingue ou bumerangues ou apenas por um lançamento de pedras preciso e forte. É possível abordar animais que ainda não aprenderam a temer o homem e matá-los a pauladas. Em distâncias maiores, contra presas mais cautelosas, atiramos lanças ou flechas envenenadas. Às vezes temos sorte e,com um ataque habilidoso, conseguimos forçar um bando de animais a cair numa emboscada ou a se precipitar de um penhasco.
O trabalho de equipe entre os caçadores é essencial. Para não assustar a caça, devemos nos comunicar por uma linguagem de sinais. Pela mesma razão, precisamos manter nossas emoções sob controle; tanto o medo como o júbilo são perigosos. Somos ambivalentes a respeito da presa. Respeitamos os animais, reconhecemos nosso parentesco em comum, nos identificamos com eles. Mas se refletimos muito sobre sua inteligência ou sua dedicação aos filhotes, se sentimos pena deles, se reconhecemos profundamente que são nossos parentes, nossa dedicação à caçada esmorece. Levamos para casa menos alimentos, e nosso bando pode se ver mais uma vez em perigo. Somos obrigados a criar uma distância emocional entre nós e eles."

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