No sábado – 20/08/2011 – vi algo que realmente me fez rodar a baiana. O jornal Hoje, da emissora dona do Acre, trouxe ao ar uma reportagem sobre a linguagem rebuscada das bulas de remédio. Sim, bulas de remédio têm uma linguagem pouco compreensível, não por ser rebuscada, mas simplesmente porque nem todo mundo tem conhecimento de vocabulário medico e químico!
Veja um exemplo, retirado da bula do cloridrato de venlafaxina 150mg, um antidepressivo, do laboratório Eurofarma:
Ocorre alteração farmacocinética significante da venlafaxina e da O-desmetilvenlafaxina em alguns pacientes com cirrose hepática compensada após dose única oral de venlafaxina.
Ora, nenhuma pessoa não ligada à área medica e/ou química tem a obrigação de saber o que significa Farmacocinética. No entanto, em qualquer dicionário de língua portuguesa simples, você encontra a definição da palavra cinética: e a parte da física que estuda o movimento dos corpos. Como o termo Farmaco é ligado à farmácia, remédios, uma pessoa de inteligência razoável pode concluir que a venlafaxina pode não fazer efeito em pacientes com cirrose, já que sua disposição farmacocinética, ou seja, o arranjo da formula desse remédio é alterado no organismo de quem sofre cirrose. Ainda que você não tenha uma inteligência razoável, não faz tanto mal assim. É dever do medico, não do paciente, saber se ele tem alguma doença que prejudique a ação do remédio, e recomendar outra droga.
O problema é quando a pessoa não é dotada de inteligência nenhuma. Veja o exemplo usado pelo referido jornal:
Posologia.
É, só isso. O jornal afirmou que posologia é um termo rebuscado demais, e poderia ser substituído por Como devo usar esse medicamento?. Ora, porque usarei cinco palavras quando existe uma que especifica corretamente o significado da frase toda?
Voltando à bula da venlafaxina:
Posologia: a dose inicial recomendada para venlafaxina em cápsulas de liberação controlada é de 75 mg, administrada 1 vez por dia para o tratamento da depressão, TAG e ansiedade social.
Percebe-se, lendo o texto, que posologia é a maneira como devo usar esse medicamento! O texto te explica, e se você quiser, pode ainda procurar em qualquer simples dicionário de língua portuguesa, e encontrará exatamente essa definição de posologia.
Ou seja, o brasileiro é burro, e sente-se bem nessa situação. Bulas de remédio têm sim uma variedade de termos técnicos que muitas vezes não conseguiremos entender. Ninguém tem a obrigação de saber nada, mas tem a obrigação de aprender as coisas importantes. Posologia é uma palavra que aparece em todas as bulas de remédios, seja ele para tratar resfriado ou AIDS. As pessoas não medem esforços para comprar mais uma calça jeans, quando ela tem cinqüentas delas em seu armário, e não usa a metade, mas acham livro uma coisa muito cara. Não tem o mínimo de bom senso para comprar um simples dicionário, que pode com certeza ser adquirido com menos de 30 reais, e será útil pelo resto da vida, independente das mudanças no idioma, e onde encontrará varias das palavras rebuscadas essenciais ao paciente, como concomitante, que é o mesmo que simultâneo.
Alem disso tudo, muitas dessas palavras diferentes podem ser conhecidas pelas pessoas se elas tiverem um vocabulário mais amplo. E isso só se consegue com leitura. E, como já disse, o brasileiro acha o livro um item muito caro, mas faz questão de ter a calça do restart, mesmo tendo oitenta calças no armário. O brasileiro é burro, é ignorante e faz questão de se manter assim. Não consegue muitas vezes entender o que está escrito numa receita de bolo, imagine numa bula de remédio! Inclusive, as pessoas reclamam do tamanho da bula! Ora, quanto maior a bula, mais informações, que, se você tiver um mínimo de inteligência, pode entender varias delas. Alem disso, se as letras das bulas forem maiores, como devem realmente ser, é claro que a bula ficará maior. E ficará maior ainda se você substituir 1 palavra que explica todo um significado por 5, que só fazem volume. Portanto, não coloquem na bula a culpa pela sua ignorância. A bula é também um texto técnico. Não tem como substituir medicamentos que inibem as isoenzimas do citocromo P450. Eu não tenho ideia do que seja citocromo P450, mas esse é um termo técnico, é um nome, não tem como substituir! Lendo o resto do texto, chego à conclusão que o uso da venlafaxina com substancias que contenham esse componente não é adequado. Cabe, nesse caso, também a mim, investigar com o médico se posso fazer uso de determinado medicamento simultaneamente à venlafaxina. O texto técnico, portanto, está aí e será assim, grego muitas vezes, mas se você tiver inteligência e conhecimento razoável, pode entender o que está escrito. O texto técnico é importantíssimo, mesmo que você não entenda, muitas pessoas estão dispostas a pelo menos tentar entender. Por fim, não diga que você não tem tempo de ler bula de remédio. Deixe de assistir os programas de televisão que esvaziam a sua cabeça, e vá ler. Quando você está sentado no ônibus, olhando para a rua que você passa todo dia, ou fofocando com seu vizinho, leia alguma coisa, seu cretino!
Não seja burro, não esvazie sua cabeça, não coloque a culpa de sua falta de inteligência e raciocínio nos outros. Na minha infância, eu não tinha dinheiro para comprar livros ou revistas úteis, mas eu tinha uma coisa chamada biblioteca, aberta para qualquer cidadão que more ou passe pela cidade. Existe, fatalmente, nesse país, uma imensidão de pessoas que não tem acesso nem à água e eletricidade, e mal tem dinheiro para comer. O problema dessas pessoas é complexo demais, e elas realmente não terão acesso a livros se não tem nem mesmo o essencial para a sobrevivência. Eu critico gente que vai à lan-house e passa duas horas no Orkut, ou passa a tarde toda comendo, ou vendo novela, ou gasta o dinheiro que poderia empregar em conhecimento em festas, todo fim de semana, ou bebida em excesso, ou coisas realmente desnecessárias. Vá à sua festa, divirta-se, tenha roupas legais, mas preocupe-se principalmente em saber, em exercitar sua mente. Perdoem-me em falar tanto de livros e leitura, mas o problema é grave no Brasil, e criticarei até quando puder. Afinal, se o cinema brasileiro pode produzir um filme sobre a vida de uma garota acéfala que resolveu ganhar a vida destruindo-a, sem justificativa nenhuma para isso, apenas o gosto de transar com 49 pessoas por noite, eu também posso criticar, com inteligência, pessoas como ela. Perdoe-me as pessoas que não precisavam ler esse texto e chegaram até aqui. Quem tem inteligência sabe cuidar da sua vida, do seu dinheiro, e provavelmente não reclama da bula de remédio.